Física
20/06/2008
Modelos em expansão
Estudos realizados por cientistas brasileiros estão mostrando que algumas partículas exóticas, previstas por modelos que fogem do padrão da física de partículas, podem ser detectadas por telescópios de neutrinos.
As descobertas são fruto de um projeto de pesquisas coordenado pela professora Ivone Albuquerque, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). O mais recente trabalho relacionado ao projeto, que teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio a Pesquisa, acaba de ser publicado na revista Physical Review D.
No artigo, o grupo, que também incluiu pesquisadores das universidades de Maryland e do Arizona, nos Estados Unidos, revelou que as partículas previstas pela teoria Kaluza-Klein – um modelo que procura unificar as forças fundamentais da gravitação e eletromagnetismo – podem ser detectadas por telescópios de neutrinos.
De acordo com Ivone, a física de partículas tem à disposição um modelo padrão que descreveu com sucesso todos os achados experimentais e confirmou todas as previsões teóricas, representando com fidelidade o que acontece na natureza. Mas isso ocorre apenas até uma certa ordem de energia.
“É esperado, por vários motivos teóricos, que esses modelos não funcionem mais na escala dos trilhões de elétrons-volts. Uma das questões importantes na área de física de partículas é que o modelo padrão precisa ser estendido a essa escala de energia. Por isso, interessa o estudo das partículas que fogem do padrão”, disse Ivone.
Segundo a pesquisadora, esse tipo de partícula exótica será estudado no Large Hadron Collider (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo, que funcionará na ordem de energia dos trilhões de elétrons-volts. O LHC está instalado em um túnel de 27 quilômetros no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), próximo a Genebra, na fronteira entre França e Suíça.
“A importância de poder dispor do telescópio de neutrinos também para essas pesquisas é que há uma complementaridade: se elas forem encontradas no telescópio de neutrinos, mas não no LHC, por exemplo, conseguiremos uma região de quebra de supersimetria, que é importante por se tratar de uma região que determina a massa das partículas supersimétricas”, afirmou.
Segundo Ivone, os cientistas ainda estão buscando o modelo ideal para expandir o modelo padrão. Dos vários modelos propostos até agora, um dos mais populares é o de supersimetria. “Há outros, como os de extradimensões universais. Uma das questões fundamentais da área é verificar qual deles se insere na natureza com mais pertinência”, disse.
Com a definição de novos modelos, segundo ela, os fenômenos de altíssimas energias serão mais bem descritos, com uma melhor representação da dinâmica da natureza em escalas de altas energias. “Além de levar a uma expansão do conhecimento, isso deverá nos aproximar de uma unificação entre as forças da natureza: a eletrofraca, a forte e a gravitacional”, afirmou.
Origem das novas partículas
O modelo padrão já dava conta da descrição dos neutrinos, segundo Ivone. Mas o projeto demonstrou que essas partículas, que vêm de fora da galáxia com uma imensa energia, interagindo apenas fracamente com a Terra, podem produzir partículas exóticas ainda pouco conhecidas.
"O trabalho sobre detecção de partículas Kaluza-Klein com telescópios de neutrinos mostrou, pela primeira vez, que é possível detectá-las em telescópios desse tipo”, disse a professora. O mesmo foi feito em um artigo anterior, publicado também na Physical Rewiew D, sobre a detecção de partículas supersimétricas.
“Basicamente, mostramos que as partículas previstas por modelos supersimétricos, que prevêem as partículas de Kaluza-Klein, ao atravessar a Terra perdem muito menos energia do que as partículas usuais. Por outro lado, mostramos que elas podem ser produzidas por neutrinos, propagando-se pela Terra em uma distância muito maior do que os léptons normais."
Léptons são partículas elementares que atuam nas interações fracas e eletromagnéticas e que consistem em elétron, múon e tau, bem como nos três tipos de neutrinos associados e nas antipartículas correspondentes.
O volume de produção dessas partículas é muito maior dentro da Terra do que o de léptons normais e isso compensa o fato de que o número de partículas produzidas é mais baixo do que o desses léptons.
“A chave do trabalho foi perceber que a perda de energia pequena compensa a produção baixa de partículas. Mostramos que esses telescópios de neutrinos vão detectar com número razoável tanto as partículas supersimétricas como as partículas de Kaluza-Klein”, declarou.
Outro resultado do projeto foi uma publicação na revista Astroparticle Physics Journal, em 2006, na área de raios cósmicos de altíssimas energia. Em co-autoria com George Smoot, do Laboratório de Ciências Espaciais da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, a pesquisadora verificou até que ponto erros na medida de energia de telescópios de fluorescência distorcem o espectro medido da energia dos raios cósmicos
“Fizemos toda uma simulação para constatar se observatórios de raios cósmicos de altíssima energia, como o Pierre Auger, são capazes de detectar partículas que não são as usuais, mas que são previstas por modelos de extensão ao modelo padrão”, apontou.
O projeto teve como objetivo fundamental estudar a propagação de raios cósmicos de altas energias por meio de simulações – o que exigiu a aquisição de um aparato computacional adequado.
“O processo de propagação de raios cósmicos pelo fundo de microondas cósmico não é, em si, uma novidade, mas é uma ferramenta básica para os estudos de raios cósmicos quando eles entram na atmosfera”, explicou Ivone.
Segundo ela, os computadores permitiram fazer as simulações desse processo. “Com essa ferramenta procuramos verificar uma possível componente dos raios cósmicos que não são as partículas já conhecidas, mas as que são apenas previstas pelos modelos de extensão ao modelo padrão. O projeto nos deu ferramentas computacionais para estudar esses processos de propagação e também para fazer estimativas de como medir partículas supersimétricas em telescópios de neutrinos”, disse.
Fonte: Agência FAPESP