Física
28/10/2008
Aprender para ensinar
Um estudo realizado na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP) – conhecida como USP Leste – mostra que uma formação fundamentada na interdisciplinaridade e na resolução de problemas pode ser a solução para essas situações.
O estudo, que analisou o currículo implantado no curso Licenciatura em Ciências da Natureza da EACH, teve como resultado um ensaio publicado na revista Educação & Sociedade. A pesquisa foi feita por Silvana Santos, pesquisadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP –, e por Maria Elena Infante-Malachias, também geneticista e professora de didática da EACH.
Segundo as autoras, o curso da EACH – que, diferente dos de outras unidades da USP, não tem departamentos – está estruturado de forma a oferecer uma visão abrangente e integrada das ciências da natureza e da matemática, “contribuindo para adequar a grade curricular à formação do professor de ciências”. O curso tem o objetivo de formar professores de ciências preparados para ensinar conteúdos de diferentes disciplinas, como física, biologia, química, astronomia, geologia e matemática.
De acordo com Maria Elena, com a expansão da pesquisa científica e a crescente especialização, a formação do professor de ciências se tornou mais complexa e problemática. A formação disciplinar rigorosa, segundo ela, impede um olhar mais amplo sobre a natureza do conhecimento. A análise indica que esse contexto resulta em um baixo desempenho dos professores de ciências e, principalmente, em um menor interesse pela ciência.
“Uma análise qualitativa parcial indica que a ciência é absolutamente carente de sentido para os alunos. Nós, professores de ciências, pela nossa formação, acabamos tornando o conhecimento pouco atraente e esquecemos de mostrar os aspectos humanos, sociais, culturais, históricos e políticos da construção desse conhecimento”, disse Maria Elena à Agência FAPESP.
O estudo analisa as principais mudanças propostas para a formação inicial de professores da educação básica. Segundo o ensaio, uma das soluções encontradas para melhorar a formação inicial desses professores foi o rompimento do vínculo bacharelado-licenciatura. A proposta de flexibilização da gestão pedagógica e a reafirmação da autonomia escolar também permitiram às instituições de ensino superior a responsabilidade de elaborar seus projetos pedagógicos.
No esquema tradicional de formação de professores, concebido na década de 1930, a formação pedagógica tinha um caráter de complementação para a formação profissional. Esse esquema predominou na USP até 2005. “Para atuar como professor, o estudante ingressava em um curso de bacharelado, completando sua formação com disciplinas da licenciatura, oferecidas pela Faculdade de Educação”, explicou.
O parecer que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais (em 2001) também representou, segundo a pesquisadora, um avanço na medida em que se tornou necessária a organização em torno das competências profissionais em vez da tradicional relação de disciplinas e a inserção de eixos articuladores, como o da interdisciplinaridade.
Para Maria Elena, de forma geral, a discussão sobre interdisciplinaridade nos currículos apresenta, entre outros problemas, um foco muito amplo e a falta de definição de um eixo articulador. O problema principal, segundo ela, é que não existe essa discussão, “apenas se cita a necessidade de uma visão ou de uma perspectiva interdisciplinar”.
“Antes de definir um eixo articulador – que é muito importante –, falta uma discussão aprofundada sobre o conceito de interdisciplinaridade. Se não há um consenso na literatura especializada, seria oportuna uma reflexão e recriação do conceito por parte dos profissionais que participam de uma proposta ou de um curso de formação de professores, claro que de acordo com o contexto e com a realidade”, afirmou.
Um dos equívocos comuns, segundo ela, é confundir o conceito com uma formação mais generalista. Mas interdisciplinaridade não é antônimo de especialização.
“A interdisciplinaridade concebida como processo de construção de conhecimento e no caso da ciência não apenas de ciências, senão sobre a ciência, colaboraria para desmontar a visão positivista e ajudaria a compreender o processo de construção social, com algumas importantes conseqüências para a cidadania também. Precisamos formar profissionais especializados em pensar por si mesmos”, disse.
Resolução de problemas
O estudo analisou também a introdução da disciplina Resolução de Problemas (RP) no currículo do curso de formação de professores da EACH. Todos os alunos, dos dez diferentes cursos, têm disciplinas comuns para a sua formação.
“A organização dessas disciplinas mostra uma preocupação evidente para que os alunos entrem em contato com os conhecimentos, a linguagem e a maneira de ver o mundo a partir de diferentes campos do conhecimento, e isso ocorre antes de cursar as disciplinas específicas do seu curso”, disse Maria Elena.
“O docente é um tutor. Ele orienta os alunos que, em pequenos grupos, trabalham tentando responder perguntas que exigem organização e colaboração. Apesar de interessante, essa prática é muito diferente da prática comum à docência universitária. É uma metodologia ativa, na qual o aluno assume responsabilidades e se torna um sujeito ativo”, disse.
Segundo ela haveria necessidade de se analisar mais profundamente a proposta da disciplina, uma vez que ela adquiriu personalidade própria. Para entender melhor, ou para assumir a disciplina RP com “a cara” da EACH, “seria importante uma discussão, mesmo que inicial e ainda superficial, para começar o debate”.
Para ler o artigo Interdisciplinaridade e resolução de problemas: algumas questões para quem forma futuros professores de ciências, de Silvana Santos e Maria Elena Infante-Malachias, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.
Fonte: Agência FAPESP