Física
24/08/2012
O físico brasileiro que desmontou o big bang
Vermelho Portal / José Carlos RuyA data foi comemorada pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (onde ele desenvolve sua atividade científica) com a realização do Mario Novello’s 70th Anniversary Symposium (mais ou menos Simpósio dos Setenta Anos de Mario Novello), que teve a participação de físicos e cosmólogos, de todo o mundo, e ocorreu entre os dias 15, 16 e 17 deste mês.
Definindo-se como “bisneto cientifico” de Einstein, Novello tornou-se notável por propor, ainda na década de 1970, por formular uma explicação alternativa à teoria do big bang para explicar o Universo. Desde o final da década de 1970 a ideia que o Universo teve início num certo momento, há uns 18 bilhões de anos, numa explosão gigantesca, tornou-se hegemônica e deixou na sombra as explicações alternativas como a formulada por Novello, que parte do pressuposto de que o Universo é eterno e único, não tendo sido criado. E que agora, com as crescentes dúvidas em relação ao big bang, volta a ganhar espaço entre os cientistas. Ela voltou a ser exposta por Novello num artigo publicado em 2008 na principal revista internacional de física, a Physics Reports (volume 463, número 4, de julho de 2008, que pode ser lido também no endereço www.sciencedirect.com). A tese foi apresentada por ele em livros como Cosmos e Contexto (1989), O que é Cosmologia? (2006), Do big bang ao universo eterno (2010), entre outros.
Sem medo de polêmicas, Novello atribui inclusive o sucesso da teoria do Big Bang por que ela seria uma maneira de confirmar que o Universo foi criado por Deus. “Esse modo de descrever a criação, os momentos iniciais do Universo tem seu análogo em diversas religiões que identificam em suas cosmogonias o tempo mítico/mágico no qual os deuses se debruçaram para além de suas atividades usuais a fim de empreender a criação do mundo”.
Vermelho publica, a seguir, o discurso de Mario Novello na comemoração de seus setenta anos.
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Eu não diria que sou como Don Quixote, mas como ele, recebi muita influência dos livros que li. Mais do que no contato direto com pessoas. Ainda hoje tenho dificuldades de tratar com pessoas reais. Como nesse momento de emoção e de alegria de estar aqui com vocês. Vários livros marcaram minha vida. Eu gostaria de agradecer em particular a Lewis Carrol por ter escrito Alice no pais das maravilhas e Through the looking glass [Através do espelho] — obras que me inspiraram e serviram de ponto de referência para meus trabalhos, embora aparentemente elas não falam do cosmos nem da natureza. Elas falam, em verdade, da natureza do cosmos. De homens, crianças e ideias. Coisas e animais. O mundo real do sonho e da fantasia que todos nós construímos algum dia e que infelizmente muitos de nós fomos levados a abandonar para penetrar no mundo dos homens e dos negócios da ciência.
Recentemente, Bia Lessa me deu uma enorme alegria ao pedir que eu fizesse uma lista dos 100 livros que eu tinha lido e que marcaram meu percurso de vida.
Dentre esses quero citar um deles, do escritor italiano Ítalo Calvino. O livro chama-se Lezioni Americane que foi editado no Brasil com o titulo Seis propostas para o próximo milênio.
E por que eu o cito? Porque ele coloca de modo agradável e contagiante as esperanças que Calvino queria preservar desse turbilhão que se transformou aquilo que se chamava “os ideais de nossa civilização”. E o que ele fez em verdade foi produzir seu legado para as novas gerações.
Eu havia decidido aproveitar esse movimento difícil que se tornou o fato político de minha aposentadoria compulsória que a legislação brasileira impõem àqueles que ultrapassam os 70 anos e, seguindo os passos de Calvino, produzir uma espécie de carta aos jovens cientistas. Não ao estilo das “ Cartas a um jovem poeta” de Rilke, pois não me agrada dar conselhos e incentivar idolatrias, mas sim esclarecer algumas questões que poderiam servir como ponto de partida para que os jovens cientistas refletissem sobre aquilo que eu considero ser os objetivos de minha profissão, tornando-a uma atividade tão abrangente quanto prazeirosa.
No entanto, à medida que comecei a escrever, a coisa foi tomando uma tal amplidão que desisti de apresentá-la aqui, embora não de publicá-la em outro lugar, se algum dia eu completar aquela redação.
Recentemente, Bia Lessa me deu uma enorme alegria ao pedir que eu fizesse uma lista dos 100 livros que eu tinha lido e que marcaram meu percurso de vida.
Dentre esses quero citar um deles, do escritor italiano Ítalo Calvino. O livro chama-se Lezioni Americane que foi editado no Brasil com o titulo Seis propostas para o próximo milênio.
E por que eu o cito? Porque ele coloca de modo agradável e contagiante as esperanças que Calvino queria preservar desse turbilhão que se transformou aquilo que se chamava “os ideais de nossa civilização”. E o que ele fez em verdade foi produzir seu legado para as novas gerações.
Eu havia decidido aproveitar esse movimento difícil que se tornou o fato político de minha aposentadoria compulsória que a legislação brasileira impõem àqueles que ultrapassam os 70 anos e, seguindo os passos de Calvino, produzir uma espécie de carta aos jovens cientistas. Não ao estilo das “ Cartas a um jovem poeta” de Rilke, pois não me agrada dar conselhos e incentivar idolatrias, mas sim esclarecer algumas questões que poderiam servir como ponto de partida para que os jovens cientistas refletissem sobre aquilo que eu considero ser os objetivos de minha profissão, tornando-a uma atividade tão abrangente quanto prazeirosa.
No entanto, à medida que comecei a escrever, a coisa foi tomando uma tal amplidão que desisti de apresentá-la aqui, embora não de publicá-la em outro lugar, se algum dia eu completar aquela redação.
Mudei então minha orientação e para não tornar essa minha fala longa e cansativa (tanto para mim quanto para vocês) vou somente tratar de duas ou três coisas referentes à minha atividade profissional neste Centro de pesquisas que transformei em um verdadeiro templo do saber.
Resolvi então anotar algumas considerações de destaque de minha atividade no CBPF [Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas] e prometi a mim mesmo não alterar a ordem que ia me aparecendo na memória, para que não se perdesse em minha narração de hoje, sua espontaneidade.
Os departamentos do CBPF
Entrei para o CBPF em 1 de março de 1968. Até onde eu me lembre, trabalhei em quatro departamentos, a saber: Departamento de Fisica Teórica ( DFT ), Departamento de Relatividade e Partículas ( DRP ), Laboratório de Cosmologia e Física de Altas Energias (LAFEX ) e o Instituto de Cosmologia, Relatividades e Astrofísica (ICRA).
Posso dizer, olhando essas mudanças, que a entendo como uma evolução. Com efeito, aos poucos fui construindo um território no CBPF onde a Cosmologia passasse a ter um papel importante. Não foi fácil. Mas posso dizer hoje, com orgulho, que consegui. Eu e meus colegas conseguimos.
Quando o Ministro de Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, muito bem assessorado pelo professor Amaral Vieira, me deu como missão institucionalizar a Cosmologia brasileira em 2003, estava ele olhando para o futuro e antecipando-se aos países do BRICS (incluindo Rússia, Índia, China e África do Sul) que logo em seguida, nesses dez anos que se passaram, criaram em seus países institutos de ciência fundamental voltados prioritariamente e/ou exclusivamente para a Cosmologia, reconhecendo que o desenvolvimento tecnológico seguro e estável de um pais passa necessariamente pelo desenvolvimento prioritário de sua ciência fundamental.
Os diretores
Eu gostaria de citar três dos diretores que o CBPF teve nesses anos: Alfredo Marques, Antonio Cesar Olinto e Amós Troper.
Alfredo Marques soube contornar momentos difíceis assegurando a continuidade do CBPF permitindo que estejamos aqui hoje, conseguindo atravessar uma fase na qual o orçamento dessa instituição mal dava para cobrir as despesas dos seus funcionários. Muito menos ainda para permitir investimentos indispensáveis que um Instituto de vanguarda deveria ter. Esse período foi marcado por uma forte, exagerada e até certo ponto mesquinha atitude de uma grande parte da comunidade científica brasileira. Mas esse é um daqueles fatos que não quero tocar hoje para não desviar nosso caminho da alegria.
Antonio Cesar Olinto, veio com a anexação do CBPF ao CNPq, e apoiou a institucionalização da Escola Brasileira de Cosmologia e Gravitação — a atual Brazilian School of Cosmology and Gravitation, que adquiriu seu titulo em inglês por sua internacionalização — tornando-a um dos pontos altos dessa instituição. Espero fortemente que essa tradição continue nessa e nas próximas administrações.
Amós Troper que, independente de nossas controvérsias pessoais, soube separar nossos desentendimentos quanto ao significado da atividade cientifica e deu força e apoio para a continuidade dessas atividades do grupo de cosmologia e em particular das BSCG.
Meus professores
Eu gostaria de comentar com bastante detalhes cada um deles. Mas esse não é o momento. Eu o farei em outro lugar. Prometo.
Eu lembrarei somente alguns de meus professores do CBPF: Colber Gonçalves de Oliveira, Carlos Márcio do Amaral, Jayme Tiomno, José Leite Lopes e Cesar Lattes. Eu poderia também citar Mario Schemberg, mas como sua influência sobre o jovem Novello foi pequena, eu o deixarei para outra ocasião.
Colber Gonçalves de Oliveira foi o iniciador de estudos sistemáticos da teoria da relatividade geral no Brasil. Com ele aprendi, entre outras, a técnica da formulação hamiltoniana da gravitação, que foi parte de sua tese de doutorado feita em Siracuse com Peter Bergmann, um dos poucos alunos de Einstein. Tornei-me assim, numa linhagem direta Einstein-Bergman-Colber, bisneto cientifico do criador da Relatividade Geral.
Carlos Márcio do Amaral foi sem dúvida, o critico mais bem preparado das teorias vigentes, tanto clássicas quanto no mundo quântico. Sua análise dos quatérnios e de sua importância em várias áreas da física foi sem dúvida notável. Era um excelente professor, mas seu perfeccionismo o inibia para submeter seus trabalhos à publicação. Um exemplo disso podemos encontrar já em seu curso universitário. Foi o único aluno (creio que de todos os tempos) a passar todo o curso de Física com nota dez em todas as matérias. Uma vez, não lembro qual o curso, um professor lhe deu um 9 ao invés da nota máxima que seria 10. Essa nota lhe garantia a passagem com louvor para o próximo período. No entanto, resolveu atrasar sua formatura de um ano, repetindo aquele curso para tirar a nota máxima, o que efetivamente conseguiu. Sempre considerei essa história como um exemplo para não ser seguido.
Jayme Tiomno a quem devo muito e em particular minha ida à Universidade de Brasília com mais seis companheiros. Ali descobri como era possível transformar uma sociedade através da cultura e do exemplo. Aprendi também como é difícil lutar contra o status quo. E que uma luta só merece ser empreendida se ela produz homens melhores. E com ela uma definição clara e sincera do que vem a ser isso. Aprendi com Tiomno também detalhes da importância da rapidez na execução de um trabalho e de como essa velocidade deve carregar consigo uma profunda critica do que se está produzindo. Essa e outras características se incorporaram ao meu modo de fazer ciência, com as naturais mudanças associadas à minha personalidade, claro está.
José Leite Lopes foi meu orientador do Mestrado que defendi em 1968, ano difícil no cenário político brasileiro. Resolveu então que eu e Joffily deveríamos sair do país e fazer nosso doutorado fora.
Sérgio já comentou suas atribulações num pais dominado por um sistema político que permitia o controle da máquina administrativa de modo autoritário e não-democrático.
Deixe-me fazer um parênteses pois anos depois convenci-me que, embora por métodos e aparências distintas, a máquina do sistema técnico-cientifico não mudou muito. A sociedade mudou.
Os aspectos sombrios e altamente negativos de uma ditadura, seja ela de “direita” ou de “esquerda”, foram embora. Mas creio que nenhum de nós, jovens dos anos 60, ansiosos por um compromisso com nossa História, querendo saber quem somos e o que podemos ser, para realizar a frase ”quem sabe faz a hora e não espera acontecer” como explicitava o poeta, não nos reconhecemos nesse Brasil dos tempos atuais. Mas não quero falar sobre isso hoje. Quero, como um pacato, esclarecido e sonhador avestruz, tratar só de coisas positivas. Por isso não comentarei nada sobre aquilo que me chocou ao longo da minha vivência no CBPF. Não é o momento e não me traz alegria. E isso fecha esse longo parênteses.
Voltando a Leite Lopes, eu diria que minha relação com ele possui duas fases bem distintas. Há o primeiro Leite Lopes - para mim - meu orientador e que me encaminhou ao professor Jauch em Geneve para ali realizar meu doutorado. Foi um momento de despreendimento de Leite pois Jauch havia sido seu orientador, junto com Pauli, de seu próprio trabalho de doutorado.
E há o segundo Leite Lopes quando depois de um exílio em Strasbourg voltou para assumir a direção deste CBPF. Havíamos, eu e Sérgio Joffily, depois de longas conversas com meu amigo Alberto Santoro, providenciado as condições internas para que Leite assumisse essa direção. Infelizmente, por várias razões, o salto qualitativo que esperávamos acontecer com sua presença não foi realizado.
E, finalmente, eu gostaria de falar duas ou três coisas de Cesar Lattes com quem trabalhei pouco mas muito intensamente e fizemos um belo e interessante artigo – ainda não publicado — sobre a dependência cósmica das interações, na linha do que eu havia realizado anos antes com meu colaborador Peter Rotelli em Trieste. Sua morte interrompeu sua conclusão, mas espero algum dia terminar a redação desse artigo, em sua homenagem. Ainda guardo nossas anotações. Guardo também uma poesia que ele fez e me dedicou. Um dia em sua casa em Campinas, depois de horas nervosas de exaustivas discussões e intenso trabalho e um belo almoço com Marta sua esposa, com uma alegria quase infantil, me estendeu um papel dizendo de seu jeito direto e sem circunlóquios:
“Fiz essa poesia para você, mas não sou veado não, viu?”
Depois disso, o que eu poderia dizer?
Meus companheiros de trabalho
Fico orgulhoso quando descubro que meus antigos alunos são hoje meus colaboradores, com os quais aprendo novos aspectos da ciência. Mas mais importante do que isso é saber que vários daqueles antigos alunos são hoje meus amigos.
Eu gostaria de agradecê-los por nossa caminhada junta e simbolizar nossa relação através de três deles com os quais tenho trabalhado há muito tempo: José Martins Salim, Luis Alberto Oliveira e Nelson Pinto Neto.
Jose Salim me surprendeu recentemente ao fazer uma releitura de meu livro Cosmos e Contexto e a partir da qual está produzindo um movimento de ideias que pretende colocar a cosmologia em novas bases. Nelson Pinto Neto e seus alunos e colaboradores, a partir da descrição de uma cosmologia quântica foi levado a dar um grande passo na análise do cenário de um universo eterno que possui um bouncing, ao examinar as observações da distribuição das galáxias e inferir as origens de sua formação. Luis A Oliveira que se propôs produzir um museu do amanhã e que retomou a ideia de associação do cosmos ao contexto, em seu sentido mais amplo. E, em particular, fiquei extremamente alegre quando meu grande amigo e colaborador de sempre Sergio Joffily veio para o ICRA nos ensinar sobre alguns aspectos da aritmética que pensávamos estar totalmente longe da atenção de um cosmólogo. Seu encantamento pelos números primos e sua tentativa de entender Riemann definitivamente se incorporou ao nosso cotidiano. A ele se junta, de modo complementar, as criticas de Nami Fux Svaiter, meu antigo aluno de mestrado e doutorado, que nos ensina hoje sobre processos e flutuações quânticas do cone de luz.
E eu poderia continuar esse discurso passando à nova geração que represento aqui através de meu colaborador dos últimos anos, Erico Goulart.
Além deles eu gostaria de citar minhas colegas de trabalho administrativo, Myriam, Rosângela, Wanda, Sonia às quais agradeço e reconheço-as simbolicamente em minha colaboradora atual Luzia London. Sem elas certamente eu teria tido enormes dificuldades em realizar o que consegui.
Saindo de minha vizinhança, eu gostaria de agradecer aos membros da Administração deste Centro que sempre me trataram com presteza e eficiência, através de três pessoas: Nelson Real, Márcia Reis e Francisco Leonardo.
Minhas produções
Não quero me estender muito, mas a bem da continuidade administrativa que passo em particular a Nelson Pinto Neto, eu gostaria de citar algumas das realizações coletivas de nosso grupo, a saber:
1. Os 37 anos das Escolas de Cosmologia, as BSCG;
2. A construção e desenvolvimento dos vários departamentos e coordenadorias em que trabalhamos juntos, o DFT, DRP, LAFEX – culminando com a criação em 2005 do ICRA. O LAFEX foi uma ideia iluminada de Santoro que enfrentou uma critica feroz de vários acadêmicos e da comunidade interna e externa do CBPF. Em outro lugar, não hoje, falarei sobre isso;
3. Programa Mínimo de Cosmologia;
4. Entrada do Brasil na ICRANet;
5. E, finalmente, com a novíssima geração com os quais possivelmente irei aprender muito nos próximos anos, fundamos recentemente a revista eletrônica Cosmos e contexto: uma revista de cosmologia e política, sociologia, filosofia, poesia e de tudo mais, com Maria Borba, Josephine Rua, Grasiele dos Santos e Eduardo Bitencourt.
As cooperações internacionais
Tive uma grande atividade de cooperação com vários grupos. Não vou aqui enumerá-los, mas alguns eu gostaria de citar. Em particular meus colegas da antiga União Soviética (Lifishits, Belinski, Novikov, Dolgov e outros), da Polônia (Kuchowicz), da França (meu querido amigo Edgard Elbaz, meu grande amigo Roland Triay, Jean-Pierre Gazeau e outros), da Itália (Gasperini, meu grande amigo Ugo Moschella, Remo Ruffini e outros), da Argentina (Mario Castagnino, e meu amigo carioca Santiago Bergliaffa – com quem temos tido uma colaboração cientifica longa e produzido as lindas edições das BSCG [Brazilian School of Cosmology and Gravitation] — Gustavo Romero, nosso mais recente colaborador de Cosmos e Contexto…) e outros.
E em particular aquele que veio a ser meu grande amigo e que me acolheu em sua casa como um irmão e com quem fizemos belíssimos trabalhos juntos, o professor Edgard Elbaz.
Meus editores
Minha visão da Cosmologia se desenvolveu ao longo dos anos 70. Na década seguinte, com a efervescência que a imprensa mundial tratava a ideia de que os cientistas haviam provado que o universo tinha tido um começo a uns poucos bilhões de anos — e, como eu e o jovem Salim havíamos construído um cenário bem diferente, de um universo sem singularidade, sem um começo a um tempo finito, pensei que deveria interferir nesse debate saindo de minha sala de trabalho e indo para a praça pública. Foi então que tive uma experiência que me marcou muito, pois eu não a entendi totalmente à época e em verdade demorei a compreendê-la.
Vou dedicar uns poucos minutos a ela porque creio que é um bom exemplo de certas situações pouco usuais na ciência. O cenário que Salim e eu havíamos construído consistia de um universo eterno. Em tempos anteriores, em particular durante a década de 50 e 60, havia a se opor ao modelo explosivo big-bang o belo cenário construído por Hoyle e Narlikar. A situação daquelas décadas foi descrita por Narlikar na penúltima Brazilian School of Cosmology and Gravitation. O modelo de Hoyle-Narlikar era bastante distinto do nosso. Em particular, ele não oferecia uma verdadeira dinâmica pois tratava o universo como se ele tivesse uma expansão constante.
Curiosamente, os colegas físicos brasileiros não conseguiram separar nosso cenário que se construiu como um universo eterno dinâmico do cenário “steady-state” de Hoyle-Narlikar. Assim, quando no começo dos anos 80 a comunidade internacional decidiu sepultar o modelo de Hoyle-Narlikar no cemitério das boas idéias sem contato com a realidade (o que, diga-se de passagem, foi um erro grosseiro) alguns físicos brasileiros decidiram que Novello-Salim também era um modelo desprovido de contato observacional com a realidade.
Foi preciso quase 30 anos para reverter essa situação que culminou recentemente com dois fatos: o pedido da influente revista cientifica americana Physics Report para que eu e meu colaborador Santiago Bergliaffa escrevêssemos um artigo de revisão sobre o cenário do universo eterno e a realização em 2010 de um Simpósio dedicado àquele modelo. Curiosamente, aquele que foi o principal popularizador do modelo singular big-bang, o físico inglês Stewen Hawking, tenta produzir agora a popularização de um cenário eterno.
Na metade da década de 1980 escrevi um livro que se opunha frontalmente ao cenário big-bang, que era então extremamente popular e de visibilidade total na mídia nacional e internacional. Hoje me espanto ao reconhecer como devo ter sido forte para ultrapassar todas as dificuldades envolvendo as conseqüências de ser tratado pela comunidade de físicos brasileiros como um out-sider.
Nesse livro intitulado Cosmos e Contexto eu explicava cuidadosamente as semelhanças e as diferenças entre o cenário de Hoyle-Narlikar e o cenário Novello-Salim. Entretanto, nenhum editor brasileiro – dentre vários a quem me dirigi – aceitou publicá-lo. Resolvi então, não me lembro mais porque, em traduzir para outro idioma e tentar publicá-lo em outra língua, em alguma editora de um outro pais. Seria aconselhável fazê-lo em inglês, mas como não me sentia com conhecimento suficiente dessa língua, resolvi traduzi-lo para o francês. Um tradutor grego, muito conhecido na Alliance Française do Rio fez as devidas correções e revisão de meu texto. Não vou entrar nos detalhes de sua publicação. Direi somente que encontrei na pessoa de M. Legrand um entusiasta de meu livro que foi assim publicado pela Editora Masson em Paris no ano de 1987. Nesse ano, passei um período com a acadêmica Yvonne Choquet-Bruhat no Institut Henri Poincaré em Paris. Um dia, descendo o boulevard Saint-Michel, em uma tarde fria de primavera francesa, vi na vitrine da PUF (Presses Universitaires de France) vários exemplares de meu livro cobrindo a entrada principal. Até hoje me arrependo de não ter tirado uma foto daquela vitrine!
Anos depois, meu grande amigo e um maravilhoso professor de filosofia Claudio Ulpiano me revelou que um amigo comum ouvira de um colaborador do filósofo francês Gilles Deleuze que ele considerava esse meu livro, junto com La nouvelle alliance de Isabelle Stengers e Ilya Prigogine, os livros básicos que ele consultava sobre ciência contemporânea.
Nos últimos anos, escrevi vários livros de reflexão sobre a Cosmologia, todos editados pela Jorje Zahar Editores. Sua diretora, Cristina Zahar tem estimulado muito meu interesse em comunicar a cosmologia para não-cientistas.
Um comentário adicional.
Lendo um artigo recente sobre uma teoria da gravitação do grande matemático Alfred North Whitehead (o professor e companheiro de Bertrand Russel dos Principia Mathematica) dois físicos (um americano e outro inglês) bem conhecidos (cujos nomes não preciso citar) acharam conveniente informar a seus leitores que Whitehead havia feito essa teoria quando tinha mais de 60 anos!
Eu fiquei chocado com esse comentário adicional sobre a idade na qual Whitehead propôs seu novo modelo teórico, pois estamos nos dias de hoje, eu, José Salim, Eduardo Bittencourt, Junior Toniato e Erico Goulart produzindo uma nova teoria geométrica escalar da gravitação e um dos participantes desse grupo está fazendo 70 anos!!
Afinal, não é a idade biológica que importa mas sim a leveza da alma.
E isso me leva de volta ao começo de nossa conversa aqui, pois descubro que fundamentei meu discurso hoje em cinco itens que constituem precisamente as propostas que Calvino preparou para que as expandíssemos nesse século 21, a saber:
LEVEZA
RAPIDEZ
EXATIDÃO
VISIBILIDADE
MULTIPLICIDADE
Desses itens gostaria de me referir aqui ao da leveza citando Calvino:
“Cada vez que o reino do humano me parece condenado ao peso, digo para mim mesmo que à maneira de Perseu eu devia voar para outro espaço. Não se trata absolutamente de fuga para o sonho ou o irracional. Quero dizer que preciso mudar de ponto de observação, que preciso considerar o mundo sob uma outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controle. As imagens de leveza que busco não devem, em contato com a realidade presente e futura, dissolver-se como sonhos …”
E com essa memória termino meus agradecimentos.
Mas antes de encerrar definitivamente, eu gostaria de agradecer à minha família, minhas irmãs Bia e Mafalda, meus filhos Marcelo e Isabella, seu marido Marcelo e meus netos Luca e Vitor.
Desejo saudar minha esposa Gláucia Pessoa que tem me acompanhado e sido guia de minhas atividades fora desse Centro. Em particular, é ela que tem sugerido e provocado os melhores momentos de nossa revista Cosmos e Contexto.
E finalmente, quero saudar minha mãe, Assunta Miceli Novello, que veio da Calábria há 78 anos e me cedeu o encantamento pelo mundo que só uma camponesa da Europa do início do século passado pode exibir. Ter ela a meu lado esses 70 anos tem sido uma alegria constante. Não posso dizer mais, pois em nossa família, seguindo antigas tradições calabresas, as alegrias e efusões intimas não devem se tornar públicas.
Obrigado
Mario Novello
Fonte: Cosmos e Contexto, revista eletrônica de cosmologia, in http://www.cosmosecontexto.org.br
Esta noticia foi publicada em 02/08/2012 no site Vermelho.org. Todas as informações nela contida são responsabilidade do autor.
Resolvi então anotar algumas considerações de destaque de minha atividade no CBPF [Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas] e prometi a mim mesmo não alterar a ordem que ia me aparecendo na memória, para que não se perdesse em minha narração de hoje, sua espontaneidade.
Os departamentos do CBPF
Entrei para o CBPF em 1 de março de 1968. Até onde eu me lembre, trabalhei em quatro departamentos, a saber: Departamento de Fisica Teórica ( DFT ), Departamento de Relatividade e Partículas ( DRP ), Laboratório de Cosmologia e Física de Altas Energias (LAFEX ) e o Instituto de Cosmologia, Relatividades e Astrofísica (ICRA).
Posso dizer, olhando essas mudanças, que a entendo como uma evolução. Com efeito, aos poucos fui construindo um território no CBPF onde a Cosmologia passasse a ter um papel importante. Não foi fácil. Mas posso dizer hoje, com orgulho, que consegui. Eu e meus colegas conseguimos.
Quando o Ministro de Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, muito bem assessorado pelo professor Amaral Vieira, me deu como missão institucionalizar a Cosmologia brasileira em 2003, estava ele olhando para o futuro e antecipando-se aos países do BRICS (incluindo Rússia, Índia, China e África do Sul) que logo em seguida, nesses dez anos que se passaram, criaram em seus países institutos de ciência fundamental voltados prioritariamente e/ou exclusivamente para a Cosmologia, reconhecendo que o desenvolvimento tecnológico seguro e estável de um pais passa necessariamente pelo desenvolvimento prioritário de sua ciência fundamental.
Os diretores
Eu gostaria de citar três dos diretores que o CBPF teve nesses anos: Alfredo Marques, Antonio Cesar Olinto e Amós Troper.
Alfredo Marques soube contornar momentos difíceis assegurando a continuidade do CBPF permitindo que estejamos aqui hoje, conseguindo atravessar uma fase na qual o orçamento dessa instituição mal dava para cobrir as despesas dos seus funcionários. Muito menos ainda para permitir investimentos indispensáveis que um Instituto de vanguarda deveria ter. Esse período foi marcado por uma forte, exagerada e até certo ponto mesquinha atitude de uma grande parte da comunidade científica brasileira. Mas esse é um daqueles fatos que não quero tocar hoje para não desviar nosso caminho da alegria.
Antonio Cesar Olinto, veio com a anexação do CBPF ao CNPq, e apoiou a institucionalização da Escola Brasileira de Cosmologia e Gravitação — a atual Brazilian School of Cosmology and Gravitation, que adquiriu seu titulo em inglês por sua internacionalização — tornando-a um dos pontos altos dessa instituição. Espero fortemente que essa tradição continue nessa e nas próximas administrações.
Amós Troper que, independente de nossas controvérsias pessoais, soube separar nossos desentendimentos quanto ao significado da atividade cientifica e deu força e apoio para a continuidade dessas atividades do grupo de cosmologia e em particular das BSCG.
Meus professores
Eu gostaria de comentar com bastante detalhes cada um deles. Mas esse não é o momento. Eu o farei em outro lugar. Prometo.
Eu lembrarei somente alguns de meus professores do CBPF: Colber Gonçalves de Oliveira, Carlos Márcio do Amaral, Jayme Tiomno, José Leite Lopes e Cesar Lattes. Eu poderia também citar Mario Schemberg, mas como sua influência sobre o jovem Novello foi pequena, eu o deixarei para outra ocasião.
Colber Gonçalves de Oliveira foi o iniciador de estudos sistemáticos da teoria da relatividade geral no Brasil. Com ele aprendi, entre outras, a técnica da formulação hamiltoniana da gravitação, que foi parte de sua tese de doutorado feita em Siracuse com Peter Bergmann, um dos poucos alunos de Einstein. Tornei-me assim, numa linhagem direta Einstein-Bergman-Colber, bisneto cientifico do criador da Relatividade Geral.
Carlos Márcio do Amaral foi sem dúvida, o critico mais bem preparado das teorias vigentes, tanto clássicas quanto no mundo quântico. Sua análise dos quatérnios e de sua importância em várias áreas da física foi sem dúvida notável. Era um excelente professor, mas seu perfeccionismo o inibia para submeter seus trabalhos à publicação. Um exemplo disso podemos encontrar já em seu curso universitário. Foi o único aluno (creio que de todos os tempos) a passar todo o curso de Física com nota dez em todas as matérias. Uma vez, não lembro qual o curso, um professor lhe deu um 9 ao invés da nota máxima que seria 10. Essa nota lhe garantia a passagem com louvor para o próximo período. No entanto, resolveu atrasar sua formatura de um ano, repetindo aquele curso para tirar a nota máxima, o que efetivamente conseguiu. Sempre considerei essa história como um exemplo para não ser seguido.
Jayme Tiomno a quem devo muito e em particular minha ida à Universidade de Brasília com mais seis companheiros. Ali descobri como era possível transformar uma sociedade através da cultura e do exemplo. Aprendi também como é difícil lutar contra o status quo. E que uma luta só merece ser empreendida se ela produz homens melhores. E com ela uma definição clara e sincera do que vem a ser isso. Aprendi com Tiomno também detalhes da importância da rapidez na execução de um trabalho e de como essa velocidade deve carregar consigo uma profunda critica do que se está produzindo. Essa e outras características se incorporaram ao meu modo de fazer ciência, com as naturais mudanças associadas à minha personalidade, claro está.
José Leite Lopes foi meu orientador do Mestrado que defendi em 1968, ano difícil no cenário político brasileiro. Resolveu então que eu e Joffily deveríamos sair do país e fazer nosso doutorado fora.
Sérgio já comentou suas atribulações num pais dominado por um sistema político que permitia o controle da máquina administrativa de modo autoritário e não-democrático.
Deixe-me fazer um parênteses pois anos depois convenci-me que, embora por métodos e aparências distintas, a máquina do sistema técnico-cientifico não mudou muito. A sociedade mudou.
Os aspectos sombrios e altamente negativos de uma ditadura, seja ela de “direita” ou de “esquerda”, foram embora. Mas creio que nenhum de nós, jovens dos anos 60, ansiosos por um compromisso com nossa História, querendo saber quem somos e o que podemos ser, para realizar a frase ”quem sabe faz a hora e não espera acontecer” como explicitava o poeta, não nos reconhecemos nesse Brasil dos tempos atuais. Mas não quero falar sobre isso hoje. Quero, como um pacato, esclarecido e sonhador avestruz, tratar só de coisas positivas. Por isso não comentarei nada sobre aquilo que me chocou ao longo da minha vivência no CBPF. Não é o momento e não me traz alegria. E isso fecha esse longo parênteses.
Voltando a Leite Lopes, eu diria que minha relação com ele possui duas fases bem distintas. Há o primeiro Leite Lopes - para mim - meu orientador e que me encaminhou ao professor Jauch em Geneve para ali realizar meu doutorado. Foi um momento de despreendimento de Leite pois Jauch havia sido seu orientador, junto com Pauli, de seu próprio trabalho de doutorado.
E há o segundo Leite Lopes quando depois de um exílio em Strasbourg voltou para assumir a direção deste CBPF. Havíamos, eu e Sérgio Joffily, depois de longas conversas com meu amigo Alberto Santoro, providenciado as condições internas para que Leite assumisse essa direção. Infelizmente, por várias razões, o salto qualitativo que esperávamos acontecer com sua presença não foi realizado.
E, finalmente, eu gostaria de falar duas ou três coisas de Cesar Lattes com quem trabalhei pouco mas muito intensamente e fizemos um belo e interessante artigo – ainda não publicado — sobre a dependência cósmica das interações, na linha do que eu havia realizado anos antes com meu colaborador Peter Rotelli em Trieste. Sua morte interrompeu sua conclusão, mas espero algum dia terminar a redação desse artigo, em sua homenagem. Ainda guardo nossas anotações. Guardo também uma poesia que ele fez e me dedicou. Um dia em sua casa em Campinas, depois de horas nervosas de exaustivas discussões e intenso trabalho e um belo almoço com Marta sua esposa, com uma alegria quase infantil, me estendeu um papel dizendo de seu jeito direto e sem circunlóquios:
“Fiz essa poesia para você, mas não sou veado não, viu?”
Depois disso, o que eu poderia dizer?
Meus companheiros de trabalho
Fico orgulhoso quando descubro que meus antigos alunos são hoje meus colaboradores, com os quais aprendo novos aspectos da ciência. Mas mais importante do que isso é saber que vários daqueles antigos alunos são hoje meus amigos.
Eu gostaria de agradecê-los por nossa caminhada junta e simbolizar nossa relação através de três deles com os quais tenho trabalhado há muito tempo: José Martins Salim, Luis Alberto Oliveira e Nelson Pinto Neto.
Jose Salim me surprendeu recentemente ao fazer uma releitura de meu livro Cosmos e Contexto e a partir da qual está produzindo um movimento de ideias que pretende colocar a cosmologia em novas bases. Nelson Pinto Neto e seus alunos e colaboradores, a partir da descrição de uma cosmologia quântica foi levado a dar um grande passo na análise do cenário de um universo eterno que possui um bouncing, ao examinar as observações da distribuição das galáxias e inferir as origens de sua formação. Luis A Oliveira que se propôs produzir um museu do amanhã e que retomou a ideia de associação do cosmos ao contexto, em seu sentido mais amplo. E, em particular, fiquei extremamente alegre quando meu grande amigo e colaborador de sempre Sergio Joffily veio para o ICRA nos ensinar sobre alguns aspectos da aritmética que pensávamos estar totalmente longe da atenção de um cosmólogo. Seu encantamento pelos números primos e sua tentativa de entender Riemann definitivamente se incorporou ao nosso cotidiano. A ele se junta, de modo complementar, as criticas de Nami Fux Svaiter, meu antigo aluno de mestrado e doutorado, que nos ensina hoje sobre processos e flutuações quânticas do cone de luz.
E eu poderia continuar esse discurso passando à nova geração que represento aqui através de meu colaborador dos últimos anos, Erico Goulart.
Além deles eu gostaria de citar minhas colegas de trabalho administrativo, Myriam, Rosângela, Wanda, Sonia às quais agradeço e reconheço-as simbolicamente em minha colaboradora atual Luzia London. Sem elas certamente eu teria tido enormes dificuldades em realizar o que consegui.
Saindo de minha vizinhança, eu gostaria de agradecer aos membros da Administração deste Centro que sempre me trataram com presteza e eficiência, através de três pessoas: Nelson Real, Márcia Reis e Francisco Leonardo.
Minhas produções
Não quero me estender muito, mas a bem da continuidade administrativa que passo em particular a Nelson Pinto Neto, eu gostaria de citar algumas das realizações coletivas de nosso grupo, a saber:
1. Os 37 anos das Escolas de Cosmologia, as BSCG;
2. A construção e desenvolvimento dos vários departamentos e coordenadorias em que trabalhamos juntos, o DFT, DRP, LAFEX – culminando com a criação em 2005 do ICRA. O LAFEX foi uma ideia iluminada de Santoro que enfrentou uma critica feroz de vários acadêmicos e da comunidade interna e externa do CBPF. Em outro lugar, não hoje, falarei sobre isso;
3. Programa Mínimo de Cosmologia;
4. Entrada do Brasil na ICRANet;
5. E, finalmente, com a novíssima geração com os quais possivelmente irei aprender muito nos próximos anos, fundamos recentemente a revista eletrônica Cosmos e contexto: uma revista de cosmologia e política, sociologia, filosofia, poesia e de tudo mais, com Maria Borba, Josephine Rua, Grasiele dos Santos e Eduardo Bitencourt.
As cooperações internacionais
Tive uma grande atividade de cooperação com vários grupos. Não vou aqui enumerá-los, mas alguns eu gostaria de citar. Em particular meus colegas da antiga União Soviética (Lifishits, Belinski, Novikov, Dolgov e outros), da Polônia (Kuchowicz), da França (meu querido amigo Edgard Elbaz, meu grande amigo Roland Triay, Jean-Pierre Gazeau e outros), da Itália (Gasperini, meu grande amigo Ugo Moschella, Remo Ruffini e outros), da Argentina (Mario Castagnino, e meu amigo carioca Santiago Bergliaffa – com quem temos tido uma colaboração cientifica longa e produzido as lindas edições das BSCG [Brazilian School of Cosmology and Gravitation] — Gustavo Romero, nosso mais recente colaborador de Cosmos e Contexto…) e outros.
E em particular aquele que veio a ser meu grande amigo e que me acolheu em sua casa como um irmão e com quem fizemos belíssimos trabalhos juntos, o professor Edgard Elbaz.
Meus editores
Minha visão da Cosmologia se desenvolveu ao longo dos anos 70. Na década seguinte, com a efervescência que a imprensa mundial tratava a ideia de que os cientistas haviam provado que o universo tinha tido um começo a uns poucos bilhões de anos — e, como eu e o jovem Salim havíamos construído um cenário bem diferente, de um universo sem singularidade, sem um começo a um tempo finito, pensei que deveria interferir nesse debate saindo de minha sala de trabalho e indo para a praça pública. Foi então que tive uma experiência que me marcou muito, pois eu não a entendi totalmente à época e em verdade demorei a compreendê-la.
Vou dedicar uns poucos minutos a ela porque creio que é um bom exemplo de certas situações pouco usuais na ciência. O cenário que Salim e eu havíamos construído consistia de um universo eterno. Em tempos anteriores, em particular durante a década de 50 e 60, havia a se opor ao modelo explosivo big-bang o belo cenário construído por Hoyle e Narlikar. A situação daquelas décadas foi descrita por Narlikar na penúltima Brazilian School of Cosmology and Gravitation. O modelo de Hoyle-Narlikar era bastante distinto do nosso. Em particular, ele não oferecia uma verdadeira dinâmica pois tratava o universo como se ele tivesse uma expansão constante.
Curiosamente, os colegas físicos brasileiros não conseguiram separar nosso cenário que se construiu como um universo eterno dinâmico do cenário “steady-state” de Hoyle-Narlikar. Assim, quando no começo dos anos 80 a comunidade internacional decidiu sepultar o modelo de Hoyle-Narlikar no cemitério das boas idéias sem contato com a realidade (o que, diga-se de passagem, foi um erro grosseiro) alguns físicos brasileiros decidiram que Novello-Salim também era um modelo desprovido de contato observacional com a realidade.
Foi preciso quase 30 anos para reverter essa situação que culminou recentemente com dois fatos: o pedido da influente revista cientifica americana Physics Report para que eu e meu colaborador Santiago Bergliaffa escrevêssemos um artigo de revisão sobre o cenário do universo eterno e a realização em 2010 de um Simpósio dedicado àquele modelo. Curiosamente, aquele que foi o principal popularizador do modelo singular big-bang, o físico inglês Stewen Hawking, tenta produzir agora a popularização de um cenário eterno.
Na metade da década de 1980 escrevi um livro que se opunha frontalmente ao cenário big-bang, que era então extremamente popular e de visibilidade total na mídia nacional e internacional. Hoje me espanto ao reconhecer como devo ter sido forte para ultrapassar todas as dificuldades envolvendo as conseqüências de ser tratado pela comunidade de físicos brasileiros como um out-sider.
Nesse livro intitulado Cosmos e Contexto eu explicava cuidadosamente as semelhanças e as diferenças entre o cenário de Hoyle-Narlikar e o cenário Novello-Salim. Entretanto, nenhum editor brasileiro – dentre vários a quem me dirigi – aceitou publicá-lo. Resolvi então, não me lembro mais porque, em traduzir para outro idioma e tentar publicá-lo em outra língua, em alguma editora de um outro pais. Seria aconselhável fazê-lo em inglês, mas como não me sentia com conhecimento suficiente dessa língua, resolvi traduzi-lo para o francês. Um tradutor grego, muito conhecido na Alliance Française do Rio fez as devidas correções e revisão de meu texto. Não vou entrar nos detalhes de sua publicação. Direi somente que encontrei na pessoa de M. Legrand um entusiasta de meu livro que foi assim publicado pela Editora Masson em Paris no ano de 1987. Nesse ano, passei um período com a acadêmica Yvonne Choquet-Bruhat no Institut Henri Poincaré em Paris. Um dia, descendo o boulevard Saint-Michel, em uma tarde fria de primavera francesa, vi na vitrine da PUF (Presses Universitaires de France) vários exemplares de meu livro cobrindo a entrada principal. Até hoje me arrependo de não ter tirado uma foto daquela vitrine!
Anos depois, meu grande amigo e um maravilhoso professor de filosofia Claudio Ulpiano me revelou que um amigo comum ouvira de um colaborador do filósofo francês Gilles Deleuze que ele considerava esse meu livro, junto com La nouvelle alliance de Isabelle Stengers e Ilya Prigogine, os livros básicos que ele consultava sobre ciência contemporânea.
Nos últimos anos, escrevi vários livros de reflexão sobre a Cosmologia, todos editados pela Jorje Zahar Editores. Sua diretora, Cristina Zahar tem estimulado muito meu interesse em comunicar a cosmologia para não-cientistas.
Um comentário adicional.
Lendo um artigo recente sobre uma teoria da gravitação do grande matemático Alfred North Whitehead (o professor e companheiro de Bertrand Russel dos Principia Mathematica) dois físicos (um americano e outro inglês) bem conhecidos (cujos nomes não preciso citar) acharam conveniente informar a seus leitores que Whitehead havia feito essa teoria quando tinha mais de 60 anos!
Eu fiquei chocado com esse comentário adicional sobre a idade na qual Whitehead propôs seu novo modelo teórico, pois estamos nos dias de hoje, eu, José Salim, Eduardo Bittencourt, Junior Toniato e Erico Goulart produzindo uma nova teoria geométrica escalar da gravitação e um dos participantes desse grupo está fazendo 70 anos!!
Afinal, não é a idade biológica que importa mas sim a leveza da alma.
E isso me leva de volta ao começo de nossa conversa aqui, pois descubro que fundamentei meu discurso hoje em cinco itens que constituem precisamente as propostas que Calvino preparou para que as expandíssemos nesse século 21, a saber:
LEVEZA
RAPIDEZ
EXATIDÃO
VISIBILIDADE
MULTIPLICIDADE
Desses itens gostaria de me referir aqui ao da leveza citando Calvino:
“Cada vez que o reino do humano me parece condenado ao peso, digo para mim mesmo que à maneira de Perseu eu devia voar para outro espaço. Não se trata absolutamente de fuga para o sonho ou o irracional. Quero dizer que preciso mudar de ponto de observação, que preciso considerar o mundo sob uma outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controle. As imagens de leveza que busco não devem, em contato com a realidade presente e futura, dissolver-se como sonhos …”
E com essa memória termino meus agradecimentos.
Mas antes de encerrar definitivamente, eu gostaria de agradecer à minha família, minhas irmãs Bia e Mafalda, meus filhos Marcelo e Isabella, seu marido Marcelo e meus netos Luca e Vitor.
Desejo saudar minha esposa Gláucia Pessoa que tem me acompanhado e sido guia de minhas atividades fora desse Centro. Em particular, é ela que tem sugerido e provocado os melhores momentos de nossa revista Cosmos e Contexto.
E finalmente, quero saudar minha mãe, Assunta Miceli Novello, que veio da Calábria há 78 anos e me cedeu o encantamento pelo mundo que só uma camponesa da Europa do início do século passado pode exibir. Ter ela a meu lado esses 70 anos tem sido uma alegria constante. Não posso dizer mais, pois em nossa família, seguindo antigas tradições calabresas, as alegrias e efusões intimas não devem se tornar públicas.
Obrigado
Mario Novello
Fonte: Cosmos e Contexto, revista eletrônica de cosmologia, in http://www.cosmosecontexto.org.br
Esta noticia foi publicada em 02/08/2012 no site Vermelho.org. Todas as informações nela contida são responsabilidade do autor.