Física
10/09/2013
Ondas sonoras desobstruem vias respiratórias
Por Isabel GardenalA respiração é fundamental à manutenção da vida e essa função é desempenhada por meio do sistema respiratório. Uma forma de avaliá-lo é pelo estudo da mecânica, que caracteriza e avalia como o ar entra e sai dos pulmões. No tratamento de uma Lesão Pulmonar Aguda (LPA), por exemplo, a ventilação mecânica é inestimável. É quando ocorre o aumento da elastância (resistência à força) nesse órgão, determinando o uso de pressões mais elevadas para a ventilação.
Em muitas situações, o organismo é incapaz de manter o nível de oxigenação adequado, pois, nos alvéolos (pulmões), região onde se efetuam as trocas gasosas, ele fica comprometido pelo processo inflamatório. Também podem ocorrer obstruções nas vias aéreas, prejudicando ainda mais a oxigenação e levando ao colapso alveolar. Diante desse cenário, o paciente necessita ser submetido à ventilação mecânica (com auxílio de aparelho).
Nos últimos 30 anos, tornou-se evidente que empregar altas pressões na ventilação mecânica, nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) dos hospitais, pode desencadear, entre outros problemas, a Lesão Pulmonar Associada à Ventilação Mecânica. E, mesmo com todo investimento injetado na terapêutica dessa lesão, a mortalidade prossegue alta, já beirando 35% das ocorrências no mundo.
Por acreditar que poderia contribuir com essa problemática, em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), a enfermeira Márcia Zotti Justo Ferreira procurou auxílio da engenharia elétrica para buscar promover a reabertura das vias aéreas colapsadas dos pulmões.Ela inovou ao introduzir ondas sonoras ao experimento. A sua tentativa foi descobrir um modo ventilatório que não fizesse uso de altas pressões para a desobstrução das vias respiratórias e, dessa forma, não piorar um quadro de Lesão Pulmonar Aguda.
A princípio, relata a pesquisadora, poderia ser acoplado um equipamento emissor de som junto ao que já existe para o suporte ventilatório. “No estudo, o som ajudou a abrir as vias aéreas obstruídas, diminuindo o dano que as altas pressões imprimiriam aos pulmões”, comemora. O processo deve motivar uma patente – já depositada junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) – e também o interesse de alguma empresa em investir nessa ideia.
Experimentos
A doutora desenvolveu modelos experimentais inéditos. O primeiro avaliou a influência da parede torácica sobre o sistema respiratório a partir de medidas da mecânica ventilatória. No segundo, provocou uma LPA induzida pelo herbicida Paraquat, no qual se comprovou o colapso das vias aéreas. E o terceiro analisou as curvas P-V (pressão-volume) após a aplicação de ondas sonoras em vias aéreas colapsadas, para notar o recrutamento alveolar. Os resultados deste terceiro modelo mostraram-se promissores.
A curva P-V é uma técnica diagnóstica para descrever as propriedades quasi-estáticas (muito lentas) do sistema respiratório. Situações como alteração nos volumes pulmonares são alguns indicadores precoces de que pode existir doença pulmonar. É o caso da LPA.
A própria ventilação mecânica pode iniciar a lesão pulmonar, chamada em inglês Ventilation Induced Lung Injury (VILI). Na década de 1970, em experimento com animais, percebeu-se inclusive que, após poucas horas de ventilação artificial, quando se usavam pressões elevadas nas vias aéreas, formava-se um intenso edema e mesmo hemorragia. Esse procedimento acabava levando a um estresse mecânico, com colapso alveolar e comprometimento do seu recrutamento, ocasionando lesões.
Não obstante, esse tipo de ventilação substitui a respiração fisiológica e proporciona, por meio de aparelhos, as trocas gasosas, trazendo oxigenação ao paciente. “Essa ventilação é indispensável a priori para o suporte aos criticamente doentes”, garante a enfermeira.
A Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), ou Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (Sara), é a manifestação mais grave da Lesão Pulmonar Aguda. É provocada por diversos distúrbios que causam o acúmulo de líquidos nos pulmões, sendo uma resposta inflamatória aguda e grave de insuficiência respiratória a diversas formas de agressão que os pulmões podem sofrer (nesse caso altas pressões).
Ambas são formas correlatas e mortais de falência respiratória aguda, sendo que os mecanismos que iniciam e propagam a lesão pulmonar ainda não foram completamente elucidados, nem o modo de ventilação mais adequado.
“A incorporação de diferentes e modernas tecnologias para a assistência ventilatória tem demandado o desenvolvimento de novas técnicas de assistência, as quais têm como objetivo a rápida identificação da enfermidade e o pronto atendimento a pacientes que se beneficiam da ventilação mecânica”, explana a doutora.
A tese de doutorado de Márcia, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica, foi orientada pelo docente da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp Hugo Enrique Hernández Figueroa e coorientada pelo docente do Instituto de Física da USP Adriano Mesquita de Alencar.
Ausculta no diagnóstico
Desde Hipócrates, sabe-se que os sons pulmonares são uma forma diagnóstica de doenças pulmonares. Por meio deles encontram-se informações valiosas sobre a fisiologia e patologias pulmonares.
Sua audibilidade melhorou pelo surgimento do estetoscópio, idealizado pelo médico francês René Théophile-Hyacinthe Laënnec (1781-1826), e desde então vem sendo aperfeiçoado.
Tem-se como uma das características diagnósticaspara doenças pulmonares a ausculta dos sons pulmonares, dentre eles os sibilos (wheezes), que são sons contínuos, musicais e de longa duração. Eles têm sua origem nas vias aéreas e requerem o fechamento dos brônquios para serem produzidos, conhecidos popularmente como “chiados”.
Outro som pulmonar importante para o diagnóstico são os ruídos de crepitação (crakles) que são explosivos, agudos e de curta duração,ocorrendo no final da inspiração.Eles são gerados sobretudo pela abertura dos alvéolos colapsados ou ocluídos por secreções (líquido viscoso). Esses sons confirmam a presença de obstrução das vias aéreas.
Conforme a autora da tese, o sistema respiratório é composto pelas vias aéreas e pulmões. As vias aéreas são classificadas como vias aéreas de condução e vias aéreas respiratórias.
Enquanto as vias aéreas de condução umedecem, aquecem e filtram o ar respirado, com a função de levar o ar para dentro e para fora dos pulmões, as vias aéreas respiratórias são a última parte da árvore brônquica, constituída pelos sacos alveolares. É nela que ocorrem as trocas gasosas. “Na árvore respiratória, o local onde acontece a troca gasosa são os alvéolos. O restante é chamado de espaço morto anatômico”, esclarece Márcia.
Esta notícia foi publicada em 09/09/2013 no sitehttp://www.unicamp.br. Todas as informações contidas são responsabilidade do autor.