Física
08/12/2009
Física em Braile
Por Thiago CameloJá em clima de final de ano, o colégio público Pedro II, no bairro de São Cristovão (RJ), tem as salas de aula vazias. Os alunos que tiveram dificuldade e estão em prova final, no entanto, ainda são vistos por lá. Pedem ajuda aos professores. Por isso Bárbara Franco, estudante do 3º ano do ensino médio, espera André Tato, professor de física, chegar. É ele quem está encarregado de auxiliá-la naquela tarde chuvosa de sexta-feira, comecinho de dezembro. Tato entra na sala com o seu material de aula para deficientes visuais numa pasta. Saca folhas com pontinhos em alto relevo e se senta ao lado de Bárbara. Ela, deficiente visual desde o nascimento, empresta sua mão para Tato. Ele, por meio de exercícios de física em linguagem braile, começa os ensinos de reforço.
Tato tem sobrenome que sugere trocadilho, e é impossível não pensar no jogo de palavras quando se vê o professor – criador de um método raro de se explicar física para cegos – guiar a mão de Bárbara e a ensinar os exercícios da aula de física pelo toque no papel em braile. São desenhos, gráficos e traços que, em alto relevo, indicam circuitos elétricos, o caminho da luz, corpos transparentes, translúcidos ou opacos e tudo aquilo que se mostra com giz e quadro-negro.
– Coloco o deficiente visual na 1ª carteira. Algum estagiário, às vezes eu mesmo, auxilia e indica todos os detalhes do desenho. Dessa forma, é possível manter a coloquialidade do seu discurso e se dar ao luxo, por exemplo, de apontar coisas no quadro, o que seria extremamente condenável numa sala com alunos cegos – explica Tato.
Inclusão
De fato, Bárbara sofre em aulas de física onde não se aplicam métodos inclusivos. Diz que é difícil apreender uma matéria que, de diversos modos, propõe relação visual com os objetos. O método desenvolvido por Tato dá volume ao que ela não consegue enxergar.
Este processo de inclusão idealizado por Tato não acontece só pelo papel. Ele, apesar de se sentir mais livre para dar aula com o seu método, ainda se preocupa com a linguagem que usa quando tem um aluno deficiente visual em sala. Prefere ser mais descritivo. Posição que, segundo o professor, acaba sendo útil para toda classe, inclusive para os estudantes videntes. "Que fique claro que a inclusão não é para ser boa apenas para o aluno incluído, tem que ser útil para todo mundo; o aluno cego se torna um gancho para que se explorem tópicos que não se exploraria usualmente".
Canoa e míssil.
Tato acaba a frase e, logo em seguida, outro aluno, também com deficiência visual, pede ajuda. O enunciado da questão: você está em uma canoa, sem motor e à deriva, e um míssil vem em sua direção. Para que lado da canoa se deve correr a fim de se fugir do míssil?
O repórter, qual o aluno, pensou de cara: "Ora, para o lado contrário ao míssil". Não é bem assim. E Tato explica isso do modo mais corporal possível ao estudante. Pede para o rapaz levantar da cadeira, dar três passos para frente, pensar na força que o pé exerce sobre o chão da canoa, lembrar da 3º Lei de Newton (princípio da ação e reação) e responder a questão novamente. O aluno – e o repórter – entendem, depois de breve reflexão, que quando se vai na direção do míssil a canoa anda para trás. Essa é a resposta correta. Tato diz:
– Isso que acabei de fazer com ele é inviável numa turma que só tem videntes. Eles iriam achar ridículo ter de levantar e servir de exemplo. O deficiente visual é mais aberto a isso. É um exemplo de que uma explicação com métodos inclusivos serve não só ao cego, mas a todos os estudantes.
Falta muito
No Brasil, poucas escolas possuem formas de inclusão para deficientes visuais. Na área de humanas, há livros e pesquisas a respeito. Em exatas, o hiato é enorme. No Pedro II, alguns professores de química, matemática e geografia vêm usando métodos análogos ao de Tato. O colégio conta com uma impressora em braile, o que facilita a produção dos exercícios. O programa de computador para se criar o material didático é simples e gratuito – o Braile Fácil. A boa ideia é a adaptação desse programa às aulas de física.
O método não é milagroso. É difícil imaginá-lo funcionando sem o auxílio de um profissional ao lado do aluno cego. Mas a construção desse material didático ainda está no começo, e o próprio Tato admite que há muito ainda a melhorar. O professor afirma que poucos colegas de profissão se interessam em aprender braile para dar aulas. Percepção que não impõe conclusões, e sim uma reflexão que muda a direção da questão: material de inclusão para cegos já existe, como prova André Tato. A pergunta é – como fazer agora para incluir os educadores nessa jornada?
Esta notícia foi publicada em 08/12/2009 no site http://cienciahoje.uol.com.br. Todas as informações contidas são responsabilidade do autor.