Física
31/10/2016
Físicos alagoanos inovam...
Físicos alagoanos inovam no estudo sobre presa e predador
Numa escala de 0 a 2.5, que demonstra a média mundial de impacto relativo da ciência brasileira em 22 áreas do conhecimento, 21 delas ocupam espaços acima de 0.5 e abaixo de 1.0 (dados de 2012, via InCities IP&Science, da Thompson Reuters). A exceção é a Física, que fica um pouco acima de 2.0, revelando um desempenho duas vezes mais significativo dos brasileiros nesta área científica particular, em escala global. O estado de Alagoas também tem se inserido na construção destes índices.
Uma colaboração interdisciplinar entre quatro físicos de Alagoas, três deles da Ufal, com uma pesquisadora de São Paulo e um pesquisador do Rio Grande do Sul, gerou artigo publicado em um periódico científico internacional de alto nível.
O estudo foi aceito, sem modificações, pelo Journal of Statistical Mechanics , uma publicação do tradicional Institute of Physics – IOP, da Inglaterra que, em 2015, teve fator de impacto 2.091 e Qualis A, segundo a classificação de produção intelectual do Ministério da Educação.
O trabalho inovou ao estudar a relação ecológica entre predador e presa a partir de um modelo fractal. Os fractais são padrões da natureza que se repetem em todas as escalas. O interesse básico deles para as pesquisas é o fato de que são capazes de retratar estruturas que não se encaixam nas formas tradicionais da geometria euclidiana, como quadrados, círculos, triângulos e cubos.
Exemplos de padrões fractais na natureza estão na formação de galáxias, na disposição dos cristais, nas moléculas de água, nas artérias do corpo humano, no crescimento dos cabelos, na ramificação das plantas, na organização do caminho de uma barata em sua busca por alimento e nos padrões de dados climáticos.
O artigo foi redigido em língua inglesa, com o título Threshold of coexistence and critical behavior of a predator-prey stochastic model in a fractal landscape. A simulação computacional realizada levou em conta variáveis pertinentes à dinâmica de populações biológicas, inseridas numa paisagem fractal, de acordo com o modelo de Sierpinski, buscando determinar o limiar de coexistência nas relações predador-presa, com foco na fase crítica relativa à transição de um estado em que ambas as espécies coexistem para o estado em que uma delas é extinta.
A conclusão do trabalho explica que controle de parâmetro principal utilizado foi a taxa de mortalidade dos predadores, que é inversamente proporcional à sua expectativa de vida média. Para taxas de mortalidade baixas, o sistema evoluiu em direção a um estado estatisticamente estacionário, com a coexistência de populações de predador e presa.
Acima de uma taxa de mortalidade crítica, os predadores tornam-se extintos. A pesquisa demonstrou, entretanto, que a fractalidade do ambiente tem um impacto relativamente grande na sobrevivência da espécie predadora.
Como consequência, a pressão evolutiva causada pelo princípio de seleção natural em ambientes fractais deverá favorecer a sobrevivência das espécies com uma expectativa de vida maior.
O artigo foi assinado pelos professores da Universidade Federal de Alagoas Carlos Argolo (núcleo de Ciências Exatas do Campus Arapiraca), Iram Gleria e Marcelo Lyra (Instituto de Física do Campus A.C Simões); Pedro Barros, do Instituto Federal de Alagoas; Tânia Tomé, da Universidade de São Paulo e Everaldo Arashiro, da Universidade Federal do Rio Grande.
Fazendo a diferença
O professor Carlos Argolo atualmente é pesquisador do Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Regional (PDCR), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal). Doutor em Física da matéria condensada, ele afirma que a Física pode ser definida como ciência que estuda a natureza. “Ela [a Física] tem que se preocupar também com fenômenos que às vezes são químicos, às vezes são biológicos. Então, a gente se estende. E se a Geometria de fato da natureza não é a euclidiana, é a fractal, a gente tem que fazer os estudos no fractal”, esclarece”.
Sobre a repercussão do trabalho, ele comenta que, a princípio, a equipe considerou não submeter um assunto interdisciplinar ao Journal of Statistical Mechanics. “A gente preferia mandar para uma revista menos exigente, mas, para nossa surpresa, os referees (avaliadores) e os editores não fizeram o menor pedido de modificação, nem na língua inglesa. Eu publico há 20 anos e fiquei impactado. Para nós, foi uma surpresa”.
No entanto, o professor Argolo observa que o trabalho teve um caráter de ineditismo por aplicar o fractal de Sierpinski a uma dinâmica de populações. “Era importante que fosse comunicada à comunidade científica a caminhada de um ser vivo não em cima de uma rede euclidiana, mas em cima de um fractal, ainda mais de um tipo extremamente conhecido”, acrescenta.
A interdisciplinaridade também fez diferença no interesse da publicação. “Nós costumamos ler os trabalhos dos colegas. Normalmente um biólogo não vai tratar de um fractal, enquanto os físicos estudam as propriedades físicas; a gente vai usar as equações que os matemáticos desenvolveram com as propriedades que os biólogos observaram”, resume.
O resumo do trabalho pode ser lido no site do IOP. Acesso ao conteúdo integral requer subscrição e compra.
Aposta institucional
O projeto PDCR do professor Carlos Argolo foi o primeiro colocado na avaliação técnica da Fapeal, que,em junho de 2016, selecionou 24 entre 64 proponentes de todo o Brasil, num edital lançado com a finalidade de atrair para Alagoas recursos humanos altamente qualificados e fixar doutores nos campi do interior do Estado, por meio das modalidades regionalização e interiorização, respectivamente.
O propósito declarado do edital era o de fortalecer o sistema de pós-graduação local e elevar o nível da produção científica alagoana.
Aposentado do Instituto Federal de Alagoas, em Maceió, desde 2014, o professor Argolo apresentou como justificativa no projeto submetido à Fapeal, “promover um desenvolvimento científico e tecnológico no laboratório de Física da Ufal, Campus Arapiraca”.
A colaboração que gerou o artigo é um dos primeiros indícios de que a iniciativa do PDCR está dando certo, com o exemplo de um pesquisador que saiu da capital para continuar produzindo ciência de alto impacto e qualidade internacional no interior de Alagoas, mudança que, inclusive, não afetou suas colaborações científicas interinstitucionais, em nível estadual e nacional.
“É importante a gente usar outros laboratórios e deixar os laboratórios daqui abertos para outros cientistas e para alunos de iniciação científica. Ciência não têm fronteiras; não importa de onde você é, importa que o trabalho esteja certo. Onde tiver laboratório, a gente está fazendo o melhor possível”, conclui o pesquisador.
Esta noticia foi publicada em 26/10/2016 no site http://aquiacontece.com.br/. Todas as informações contidas são responsabilidade do autor.