Física
04/01/2008
Impacto unânime
A revista Science publicou, na edição de 9 de novembro de 2007, um estudo realizado no Observatório Pierre Auger, na Argentina, que envolveu 370 cientistas de 17 países e demonstrou que os raios cósmicos de energia extrema teriam origem nos buracos negros supermassivos situados no centro de galáxias vizinhas.
No mês seguinte, a descoberta foi consagrada entre as mais importantes do ano, nas listas da Associação Norte-Americana de Física, da revista Nature e da Science, na qual figurou como terceira principal conquista científica de 2007.
Com o trabalho, os autores desvendaram um mistério que persistia desde o início do século 20 – quando o fenômeno foi descoberto – e inauguraram a era da astronomia de raios cósmicos, segundo Carlos Ourivio Escobar, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos autores brasileiros do estudo.
Até então, a ciência desconhecia como esses raios cósmicos – cuja energia pode superar em 100 milhões de vezes a do mais poderoso acelerador de partículas disponível atualmente – eram produzidos, de onde vêm e como se propagam no espaço.
A extrema importância da descoberta, segundo Escobar, se deve ao fato de que ela abre todo um novo campo na física e uma nova janela para observar o Universo. Conforme a ciência acumular mais dados, o conhecimento sobre raios cósmicos aumentará a ponto de serem transformados em uma nova ferramenta para a observação de objetos astronômicos.
O Observatório Pierre Auger, a maior instalação voltada para a detecção e o estudo de raios cósmicos de altíssima energia, com 3 mil quilômetros quadrados, tem a FAPESP como um dos órgãos financiadores. O projeto conta com a participação de representantes de diversas universidades e centros de pesquisa brasileiros.
Recursos valiosos
“Há várias razões para o sucesso desse projeto. Tivemos um longo período de testes, no qual foram avaliadas em campo, de maneira real, todas as tecnologias usadas. Apenas quando nos certificamos da adequação dessas tecnologias ao projeto passamos à construção em larga escala de todos os componentes do observatório”, disse Escobar à Agência FAPESP.
Outra razão para o sucesso, segundo ele, é a maneira como um grande projeto desse tipo é organizado. “Há instâncias para a discussão e decisão de aspectos políticos, científicos, técnicos e orçamentários. Todas essas instâncias se comunicam e se respeitam. Isso minimiza a possibilidade de erros ou decisões irreversíveis”, explicou.
Mais um aspecto que favoreceu o trabalho, segundo Escobar, foi a coesão do grupo, cujo núcleo central trabalha em conjunto desde 1994. “Além disso, a decisão de construir um observatório gigantesco, que no princípio parecia muito ambiciosa, provou ser correta. Foi a única maneira de se estudar o problema da origem e natureza dos raios cósmicos de altíssimas energias”, afirmou.
A energia desse tipo de raio cósmico ultrapassa a escala de 40 vezes 10 elevado a 18 elétrons-volts. Mas se trata de fenômeno bastante raro: chegam à Terra em uma taxa de uma partícula por quilômetro quadrado a cada século.
Por isso, em um observatório de 1 quilômetro quadrado, seria preciso esperar cem anos para colher uma partícula. Ou seria preciso ter um observatório imenso. É o caso do Pierre Auger, cujos 3 mil quilômetros quadrados possibilitaram a observação de 30 partículas em um ano.
Escobar comentou ainda as vantagens da participação brasileira no projeto. “Do ponto de vista brasileiro, aprendemos muito nesse projeto com o gerenciamento de uma grande colaboração que movimenta grandes recursos e, principalmente, com um envolvimento forte de indústrias nacionais em todo o processo”, disse.
O projeto teve ainda um retorno inestimável, segundo ele, em relação à formação de recursos humanos. “Um grande número de estudantes de pós-graduação e pós-doutores passou e ainda passará pelo projeto. Praticamente todos se mantêm ativos na área ou em áreas correlatas e alguns foram para a indústria com bastante sucesso”, disse.
Escobar destacou também o papel das agências de fomento. “A FAPESP esteve presente desde o primeiro instante. O CNPq, por meio do Pronex, também, e, mais tarde a Finep”, disse.
Mais informações: http://www.auger.org
Por Fábio de Castro
Fonte: Agência FAPESP